sábado, 17 de outubro de 2009

A abstenção volta a vencer

Resultados Legislativas 2009
Mais um ciclo eleitoral passou, este invulgarmente intenso com 3 eleições em cerca de 5 meses, e em todas elas o real vencedor foi sempre o mesmo. É verdade, não foi o PS ou o PSD, o PP ou o Bloco, o verdadeiro vencedor em todas as 3 eleições foi a Abstenção.

Em todas elas a abstenção foi acima dos 40%, à qual devem ser somados os votos em branco. Existe sempre no mínimo mais 1,5% a 2% de votos em branco a acrescentar à percentagem da abstenção, o que aumenta mais um pouco o número de pessoas que não demonstram vontade de legitimarem as listas propostas a votação.

Este é o facto mais importante das eleições mas que os políticos consideram de menor relevância, uma vez que, segundo estes, está ao nível dos restantes países europeus. A questão está em que eles parecem não se importam quando não estarmos ao nível dos demais países europeus no que deveriam ambicionar copiar, como é o caso do rendimento per capita, ou os níveis de desenvolvimento tecnológico e educacional, ou nos níveis da rapidez com que os nossos pacientes acedem aos tratamentos que necessitam. Eles apenas usam os maus exemplos e não os bons. A questão é o porquê!

Porque eles gostam da abstenção apesar de sempre dizerem o contrário, até já ouvi justificarem-se que 10% da abstenção são eleitores fantasmas e que por isso a abstenção real acaba por ser bem menor. Não acho que 30% de abstenção seja pouco. Mas analisemos os tais 10%. Nos últimos anos já publicitaram pelo menos umas duas “limpezas” aos cadernos eleitorais, sendo assim, como é possível haver 10% de eleitores “fantasma”? Será que os serviços são tão incompetentes que, após a “limpeza”, ainda existam em torno de 951.000 eleitores fantasmas? Parece mais uma desculpa sem fundamento que um facto real.

Então vejamos a razão pela qual os partidos tanto gostam da abstenção, embora hipocritamente o neguem. Usando para exemplo o novo governo que ganhou as eleições evocando-se uma vitória de 36,55%, o que é verdadeiro. Contudo isso é a percentagem relativa ao número de votos, após deduzidos os votos nulos e brancos. Na realidade a percentagem de eleitores que o elegeram não foram os tais 36,55%, foram apenas 21,84% (2.077.695) do total (9.514.322) de eleitores nacionais, ou seja, apenas quase metade dos que se abstiveram 40,26%. São 3.830.355 eleitores que dos quais a maioria não vai votar por acharam que não vale a pena votar, defendendo que os políticos “são todos iguais”, “eles querem é tacho”, e com esta visão sobre a classe política divorciam-se do processo democrático. Não esquecendo que deve-se acrescentar os votos em branco (99.161), ou seja, eleitores que se dispuseram a ir votar para exercerem o seu protesto contra a classe política sob a forma do voto em branco.

Assim podemos constatar que quanto menos pessoas forem votar melhor para os partidos/políticos. Os pequenos partidos rezam por altos níveis de abstenção pois só assim os seus militantes, que costumam ser mais devotos e dedicados que os dos partidos do eixo governativo, não deixando de votar, representam uma maior percentagem no total de eleitores, sem aumentarem consideravelmente o número de votos, obtendo assim mais deputados. Exemplo académico perfeito é o PC que, em 2009 graças à abstenção, com apenas mais 13.914 votos do que os que teve em 2005 conseguiu eleger mais um deputado. Caso a abstenção fosse menor, não teria conseguido eleger esse deputado. Os grandes partidos pedem por elevados níveis de abstenção porque deste modo, com pequenas diferenças no número de votos, conseguem obter grandes clivagens nos resultados apresentados, elegendo um maior diferencial de deputados e controlando de modo mais independente a política nacional.

Além disso, psicologicamente, o divórcio dos eleitores para com os políticos é como se fosse uma carta-branca para continuarem a cometer os mesmos abusos que sempre cometeram. Já para não falar no maior pesadelo dos partidos, que a abstenção, na sua esmagadora maioria devida ao descréditos desses eleitores nos partidos/políticos, se transforme em votos em branco pelo exercício, por parte dos cidadãos/eleitores, do seu dever e obrigação constitucional de se manifestarem através do voto. Como é que o sistema iria justificar uma percentagem de 40% de votos em branco? Já não poderia alegar que as pessoas carecem de sentido cívico e que preferem passar o dia na praia a exercer o seu dever democrático. Seria a manifestação da população de não querer ser governada pelo tipo de políticos que temos.

Mas em vez de um país onde as pessoas vão exercer a expressão da sua decisão nas urnas, temos um país onde quase metade das pessoas preferem ficar em casa, não dispensado 30 minutos para votar, no entanto, essas mesmas pessoas, já dispõem de 90 minutos para ficar em frente a um televisor a ver 21 homens correr atrás de uma bola, por um salário que eles nem sonham ganhar e que não lhes irá trazer qualquer aumento de bem-estar e de riqueza na sua vida/sociedade. Ainda se advogando o título de Patriotas por torcerem pela selecção, quando se recusaram a exercer o seu maior dever e expressão de Patriotismo, Votar.

Começo a pensar que realmente a classe política está certa, com todos os seus abusos e corrupção, pois temos um país onde quase a maioria merece pertencer a um terceiro mundo e não a uma Europa desenvolvida e onde os restantes, que ainda pensam e se preocupam, depois de se tornarem quadros altamente qualificados acabam, lentamente, por desistir e ir enriquecer outros países.

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